Agora Vitória dorme. Até a pouco conversávamos. Vitória tem sofrido com a indiferença de Juan. Quem é Juan? Juan é um coleguinha da escola por quem minha pequenina nutre um carinho especial. Há dias ela fala dele sem parar: "Mãe, sabia que o Juan sabe desenhar um sol?","Mãe, o Juan hoje não foi a aula, acho que ele tá doente! Tô preocupada! Vamos ligar pra casa dele?", "Mãe, será que a gente pode dar uma carona ao Juan amanhã depois da aula", "Mãe sabia que o Juan é um artista, ele sabe desenhar tudo, se duvidar ele sabe desenhar uma cidade inteira, ele desenha tão bem (...) ele é como meu pai".
Mas hoje, hoje ela falou da indiferença do Juan, de uma forma triste, sofrida, com lágrimas nos olhos "Mãe, o Juan não quer mais ser meu amigo. Deixou de gostar de mim. Não quer mais brincar comigo na hora do parque, não quer mais sentar do meu lado. Eu não entendo, eu sou uma menina do bem, não sou mamãe?! E eu tô triste, muito triste. Agora ele dá atenção para as outras meninas e eu fico sozinha".
Seria o momento de dizer algo confortante, fazer uso da tranquilidade e da maturidade que os anos deveriam ter me trazido. Não consegui!!! Nenhuma palavra saiu, não soube o que dizer. Apenas a abracei bem forte e chorei, solidária. Tentando tirar um pouquinho da dor daquele pequeno coraçãozinho ou aproveitando para compartilhar um pouquinho da minha. De uns dias pra cá tenho escondido tanto o que sinto, dela, dos outros, de mim mesma, que talvez , de forma injusta, tenha me aproveitado do momento. Há quem diga "Como você está bem!!!" É, ainda dói, mas a vida e as responsabilidades me fazem entender que chorar ou sofrer só depois de deixá-la no colégio, no violino ou na natação. Chorar ou sofrer só depois da aula de francês, da yôga, de ensinar a tarefa de casa, de dar o remédio, de levar ao médico, de fazer a refeição.
Mas hoje, vendo-a chorar, me permiti pensar na minha dor, sem querer saber se era hora. Hora de lembrar o quanto dói recordar dos ditos, dos não ditos, das intenções de amizade eterna que se desmancharam no ar. Lembrar que ainda dói não saber por onde anda ou o que faz. Dói não compartilhar mais tristezas e alegrias, sucessos, fracassos, medos, experiências.
Vitória, deitada no meu colo chorou, chorou muito, depois, olhou pra mim e disse: "Dói, dói muito, né mãe?"Balancei a cabeça dizendo que sim. Na minha cabecinha de vento, pensei: "Ainda dói filha, mas quer saber, com o tempo essa dor vai passar, outras ainda surgirão. É assim, também, que é a vida."
Daqui, olho e vejo Vitória dormindo. Enquanto ela dorme, eu penso sobre o que deveria ter dito e não disse. Como deveria ter agido? Levar tão a sério? Fingir que nada de importante aconteceu? Afinal, pode ser que na segunda o Juan volte a ser amigo dela. Mas também pode ser que não. Isso deve ser só coisa de criança, não é? Mas quem disse que criança não sofre? Não sei!!O que deveria ter feito que não fiz? Filha, perdoe-me se não fiz a coisa certa. Se acabei confundindo as estações. Se exagerei na dose. De qualquer sorte, essa música que aqui transcrevo, hoje, é nossa:
Tudo Novo de Novo
Paulinho Moska
Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que
tudo na vida tem fimVamos acordarHoje tem um sol diferente no céuGargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assimÉ tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos
Vamos celebrarNossa própria maneira de serEssa luz que acabou de nascerQuando aquela de trás apagouE vamos terminarInventando uma nova cançãoNem que seja uma outra versãoPra tentar entender que acabouMas é tudo novo de novoVamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos